Dom Murilo Krieger
Arcebispo de Salvador (BA)
Arcebispo de Salvador (BA)
O título desta crônica poderia dar a
impressão de que farei um comentário, um tanto fora do tempo, sobre o
livro publicado em 1952 pelo até então desconhecido escritor Ralph
Elison. Na ocasião, ele surpreendeu o mundo literário norte-americano
com uma obra que se tornou um marco na história da segregação racial dos
Estados Unidos, dando origem a um filme igualmente famoso. Escolhi o
título e o tema desta minha reflexão a partir da notícia que li em um
jornal, numa dessas viagens que faço por obrigação de ofício. Não foi
possível ficar com o texto, pois o jornal era emprestado, mas guardei as
ideias gerais que o artigo abordava, ao menos da parte que consegui ler
(a viagem terminou antes de minha leitura...). Em síntese: um
estudante de Sociologia, na cidade de São Paulo, quis conhecer o olhar
das pessoas nas avenidas de uma cidade grande – isto é, saber o que elas
realmente veem, para onde se voltam e a que dão valor. Vestiu-se por
isso de forma simples, como se fosse um dos muitos trabalhadores braçais
que diariamente cruzam os caminhos de todos. Sua primeira surpresa: em
pouco tempo percebeu que simplesmente não era notado por ninguém! Sim,
ninguém percebia sua presença, ninguém o notava, nem mesmo seus velhos
conhecidos e amigos. Constatou que, para muitos, ele simplesmente não
existia: havia se transformado em um homem invisível.
Tempos depois, mudou de tática: começou a
andar pelas mesmas avenidas, mas vestido de terno e gravata, com uma
pasta de executivo na mão. Agora, tudo mudou: era visto por todos,
cumprimentado por muitos e sua passagem era saudada pelos amigos.
Alguns, inclusive, não se continham e, ao vê-lo chegando, comemoravam o
encontro e diziam algo assim: "Nossa, há quanto tempo não o vejo!" Bem,
como não li o final do artigo, fiquei sem conhecer todas as conclusões a
que o sociólogo chegou, após tão curiosa experiência. Imagino que,
antes de tudo, passou a não aceitar mais o velho provérbio: "O hábito
não faz o monge". Descobriu que faz, sim, e muitas vezes chega a ser
determinante para que alguém seja reconhecido na sociedade.
Aqui e ali se toma conhecimento de outras experiências, semelhantes a essa – e que, inclusive, deram origem a livros. Quem não se lembra da história de um jovem senhor que, bem vestido, passou a frequentar ambientes requintados, apresentando-se como filho de um poderoso empresário? Ninguém, nunca, se lembrou de lhe pedir documentos. Assim, participou de inúmeras festas e banquetes: sempre de graça, sempre bem acolhido!...
Aqui e ali se toma conhecimento de outras experiências, semelhantes a essa – e que, inclusive, deram origem a livros. Quem não se lembra da história de um jovem senhor que, bem vestido, passou a frequentar ambientes requintados, apresentando-se como filho de um poderoso empresário? Ninguém, nunca, se lembrou de lhe pedir documentos. Assim, participou de inúmeras festas e banquetes: sempre de graça, sempre bem acolhido!...
O tema está aberto a várias reflexões e
conclusões. Escolho uma: a necessidade de estarmos atentos aos homens
(e, naturalmente, às mulheres) invisíveis de nossa sociedade. O mínimo
que merecem de nós é consideração e respeito. Afinal, são seres humanos,
criados à imagem e semelhança de Deus. Alguns fazem trabalhos tidos
como simples e, por isso mesmo, pouco considerados; outros, nem trabalho
sistemático têm. Estão aí, passam ao nosso lado, nas ruas de nossas
cidades, e não os vemos. Alguém já se deu ao trabalho de se perguntar
como tais homens invisíveis nos olham? O que pensam de nós, de nossa
autossuficiência e indiferença? Ou será que também eles julgam tudo isso
natural, como se a vida fosse assim mesmo? De nossa parte, nos
deveríamos perguntar: como seriam essas pessoas, se tivessem tido as
condições que nós mesmos tivemos? O que seria deles, se tivessem nascido
em uma família bem estruturada, se tivessem estudado e, desde seus
primeiros anos de vida, tivessem crescido com as condições básicas para
uma vida digna?
Segundo a antecipação que Jesus fez do
julgamento final (Evangelho de Mateus, capítulo 25), seremos julgados
pela acolhida (ou indiferença) que tivermos dado aos "homens invisíveis"
que tiverem passado em nossos caminhos. É nossa eternidade que está em
jogo. Acolher tais "homens invisíveis" não é, pois, mera questão de boa
educação: é questão de amor. E do amor (ou de sua falta) nascem
consequências que terão repercussão na eternidade.
Fonte: CNBB
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