Padre Paulo Ricardo |
Mas qual é o fundamento teológico disso? Se não colocarmos a teologia no lugar correto ficaremos apenas no devocionário.
No início da Igreja, se fala da entrega de fiéis a Nossa Senhora como servos, escravos de Maria. A palavra "escravo" é uma palavra chocante para nós no século XXI. A palavra "escravidão" é uma das analogias. João Paulo II já era seguidor de São Luís Maria Grignion de Montfort, e que já usava a palavra confiar no lugar de consagrar, mas que são a mesma coisa, são metáforas, analogias.
Onde está o fundamento teológico de tudo isso? Primeiro a fé. O dogma de fé é dar a Deus um culto, que é o culto de latria, ou seja, nós adoramos somente a Deus. Somente Deus é Deus. Ninguém mais é Deus. Os santos e Maria são criaturas. O que é então adorar a Deus? O meu nada diante de Deus, que é tudo. Quando ficamos ajoelhados estamos dizendo que não somos nada, e Deus é tudo. Só podemos nos ajoelhar diante de Deus e para Deus.
Na Semana Santa nos ajoelhamos diante da cruz, que é o amor de Deus manisfestado por intermédio de Jesus. Esse culto a Deus também pode ser refletido por intermédio de criaturas. Por exemplo diante do confessor, se nos colocamos de joelhos diante dele, não estamos adorando o padre, mas sim a Deus que ali está. Da mesma forma, a adoração a Deus pode se dar de forma indireta com a ajuda das criaturas. Quando alguém encontra um sacerdote e beija a mão deste pecador, pela fé ele está beijando a mão de Cristo por intermédio do sacramento. Eu uso batina, e ela serve para me lembrar do ministério sacerdotal ao qual sou chamado a crer e a viver. Quando o padre está presidindo a Santa Missa, e os acólitos fazem reverência diante dele, não é ao padre que o fazem, mas a Cristo. Isso é a fé por intermédio do sacramento.
A adoração a Deus, pelo culto de "latria", é só a Deus; e a Igreja reconhece aos santos o culto de "dulia". A palavra "dulia" significa servo. Doulos é o escravo. Ficamos, às vezes, perplexos diante da palavra "escravos" em uma sociedade em que as coisas evoluíram. Exemplo: Quando uma pessoa sofre um acidente ela consegue pegar um atestado, isso não acontecia antes. Antes ela deveria procurar alguém que a fosse substituir ou passaria “fome”. Hoje, temos muitos recursos. Antigamente as palavras "servo" e "escravo" significavam que a pessoa se colocava debaixo da proteção, debaixo do auxílio, do patrocínio [do seu amo]. Essa realidade de nos colocar sob essa proteção era uma forma de cuidar do outro, e a palavra "escravidão" vem daí. Mas hoje a palavra "escravidão" para nós é forte. É neste sentido que o culto de "dulia" é dado aos santos. Muitos perguntam: “Por que você não vai a Deus diretamente?” Porque Deus quer usar do amor de suas criaturas. Por que você em vez de ir direto para Deus, vai para o colo da sua Mãe, receber carinho e cafuné? Porque você sabe que aquele amor também vem de Deus. Deus usa das suas criaturas, Ele quis assim.
A graça é a glória de Deus aqui na Terra. A glória é a graça de Deus no céu. Olhando para a graça e para glória, os santos merecem o nosso culto e o nosso louvor. Nós temos que louvar a Deus pelo amor que os santos fazem brotar do nosso coração. O Concílio de Trento vai responder que o santo merece a graça que nós merecemos. O mérito derivado do mérito central de Cristo. Gosto de fazer a comparação com a manga. Quem fez a manga não foi Deus? Quem deu a manga? A mangueira. Por isso eu posso agradecer à mangueira. Assim são os santos, eles são o instrumento de Deus, como a mangueira o é ao nos dar a manga.
O culto a Deus é "latria". O culto aos santos é "dulia", eu me ponho debaixo da proteção dos santos. Teologicamente falando, Maria não é alguém que age só na glória como os santos, mas Maria, além da graça e da glória, age na ordem da união hipostática, que é uma graça que só Jesus tem. É a união das duas naturezas em uma pessoa. Maria, por projeto divino, por eleição e graça da escolha, foi escolhida para fazer parte dessa união hipostática, porque ela pode dizer que é Mãe de Deus. Por que ela é Mãe de Deus? Nunca perguntamos: você é mãe do quê? Mas de quem? Maria gerou um ser humano, ela não gerou uma natureza divina, ela gerou Jesus humano, mas que é Deus. A pessoa divina do Filho foi gerado, no ventre de Maria, desde toda a eternidade pelo Pai. Se Deus quisesse trazer Jesus sem Maria, Ele O teria trazido, mas Ele quis usar da Santíssima Virgem Maria. Maria gerou a Pessoa de Deus. Eis aí o grande mistério, ela gera o Filho.
Existe uma oração que vem do Egito: “Debaixo da Vossa proteção recorremos Santa Mãe de Deus, não desprezeis as nossas súplicas em todas as nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de todos os perigos! Ó Virgem, Gloriosa e Bendita”. Em grego, debaixo da proteção, originalmente seria: "Dentro do Vosso útero nos refugiamos Santa Mãe de Deus". Os cristãos, desde o ínício, não diziam: “Mãe, intercede aí!” Ela é a intercessora. Mas eles dizem: “Nós nos refugiamos debaixo da vossa proteção”. Como Maria tem poder? Uma mulher que luta contra o dragão, como poderia lutar se não tivesse poder? Ela só pode ter poder graças à união hipostática.
Padre Paulo Ricardo
Sacerdote da Arquidiocese de Cuiabá (MT)
www.padrepauloricardo.org
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